(Foto: Reprodução) Relator disse que juiz que atuou na Lava Jato é ‘obstinado’ pelo protagonismo e tem postura incompatível com a função de magistrado. Julgamento foi concluído com unanimidade pela punição. O juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelos casos da Lava Jato no RJ, em entrevista ao programa 'Conversa com Bial'
Repodução/ TV Globo
Por unanimidade, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu, nesta terça-feira (3), aplicar a penalidade de aposentadoria compulsória contra o juiz Marcelo Bretas.
A punição foi proposta pelo relator do caso José Rontondano. Ele foi acompanhado por outros 12 conselheiros. Um deles, se declarou impedido de votar no caso.
À TV Globo, Bretas afirmou que a decisão se trata de uma "grande injustiça", e que "as meras palavras mentirosas de um advogado criminoso, foram aceitas como verdades no processo administrativo. Meus advogados recorrerão dessa decisão".
➡️Não cabe recurso ao CNJ. O único meio de impugnação à decisão do CNJ é uma ação do STF, um mandado de segurança.
Bretas atuou na Operação Lava Jato no Rio de Janeiro e está suspenso das atividades por decisão do CNJ desde fevereiro de 2023.
🔎A aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço é uma das penalidades que o CNJ pode aplicar aos magistrados alvos de procedimentos disciplinares. O regimento do conselho prevê também a censura, advertência, remoção e demissão.
Entre os desvios apontados contra Bretas estão:
tentativa de negociar penas;
pressão contra investigados;
direcionamento de acordo de colaboração;
interferência em eleições;
abusividade da condução de acordos em descumprimento aos deveres da magistratura, notadamente o da imparcialidade.
O relator afirmou que Bretas se mostrou um magistrado “obstinado” em se tornar protagonista do sistema de Justiça e criticou a exposição do juiz.
“Evidenciam-se os autos que o rumo adotado pelo magistrado foi na prática a de se distanciar dos seus deveres e se favorecer de uma postura justiceira para autopromoção e avanço da operação [Lava Jato] que o garantia o desejado relevo”, afirmou o relator.
Entenda abaixo os três processos nos quais ele é investigado:
Tratativas com advogado
Conselho Nacional de Justiça afasta o juiz Marcelo Bretas por suposto desvio de conduta
Bretas é alvo de três processos no CNJ. O primeiro apurou conluio com advogado em práticas relacionadas à exploração de prestígio e a concessão de tratamento inusual e de acesso ilegal a informações sigilosas no âmbito da Operação Lava Jato.
Este primeiro processo surgiu de uma reclamação disciplinar ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que questionou um acordo de colaboração premiada celebrado pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
“O que se afigura notório, in casu, é um arranjo orquestrado entre o juiz Marcelo Bretas, o advogado Nythalmar Ferreira e, em algumas oportunidades, o Procurador Regional da República, que se perfazia em detrimento da paridade de armas e com o objetivo de alcançar projeção e autopromoção”.
Segundo a OAB, o juiz e o Ministério Público negociaram penas, orientaram advogados e combinaram estratégias.
“Atestam os elementos de prova que enquanto as prisões, restituições de valores e delações se apresentavam como entregas eficientes do braço fluminense da Lava Jato, internamente a imparcialidade do julgador e o modelo acusatório sediam espaço a estratégias processuais espúrias”, afirmou o relator.
Conforme o conselheiro, Bretas fez tratativas informais com advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho, sabia dos termos do acordo de delação premiada que seria firmado e direcionou o processo para conseguir “o resultado condenatório pretendido”.
“O panorama, portanto, que avulta dessas evidências é o de um magistrado que atuou de forma consciente e que se irrogava do direito de perseguir o mesmo escopo da acusação, como se o combate à corrupção legitimasse uma atuação contrária ao ordenamento jurídico”.
Interferência nas eleições
O segundo processo apura interferência nas eleições de 2018 e atividade político-partidária, além de prática de irregularidades na condução de processo em quebra de imparcialidade.
Este procedimento foi fruto de uma reclamação feita pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes. O prefeito alegou que o juiz atuou para prejudicá-lo na disputa eleitoral para o governo do estado em 2018.
À época, Bretas chamou para uma audiência Alexandre Pinto, ex-secretário municipal de Obras do Rio. Pinto acusou o prefeito do Rio de participar de um esquema de propinas no plano de infraestrutura das Olimpíadas de 2016.
Segundo o relator, Bretas não fez questionamentos próprios de um interrogatório a Alexandre Pinto, mas buscava uma retórica “destinada a persuadir e convencer aqueles que o ouviam”.
“Diante desse quadro, há que se convir que o magistrado (notoriamente, experiente) sabia do impacto que a solenidade iria causar à imagem do ex-prefeito naquele momento e, possivelmente, às eleições. Sem embargo, laborou para que ela fosse realizada a tempo do escrutínio eleitoral”.
O relator destacou que Bretas se valeu do cargo e de seu poder de condução do processo para desvirtuar a lógica das garantias constitucionais e legais e promover um juízo negativo antecipado sobre o então candidato à prefeitura.
“Sucede que, com o avançar do depoimento, que era acompanhado de perto pela imprensa, vê-se que o ora requerido passou claramente a tecer seus próprios comentários – diga-se, com certo tom irônico –, sobre o caso e as declarações que Eduardo Paes fazia publicamente. Isto é, procurou evidenciar uma suposta contradição entre o discurso do ex-prefeito e o que estava sendo relatado naquela audiência. Atitude que denuncia um nítido pré-julgamento sobre os fatos e a quebra da imparcialidade”, afirmou Rontandon.
Buscas em casa de advogados
O terceiro processo apurou abusividade e parcialidade em decisões que determinaram buscas e apreensões em endereços profissionais e residenciais de advogados.
Segundo o processo, essas buscas teriam sido feitas sem a observância de direitos, garantias e prerrogativas dos advogados.
As buscas foram feitas no âmbito de uma ação penal que investigava repasses de recursos a advogados e escritórios por meio de contratações fictícias e auferiam os valores para influenciarem em julgamentos de conselho fiscal, em tribunais superiores e em tribunal de contas.
“Nessa perspectiva, o enredo dos fatos, amparado na prova produzida, evidencia que o magistrado realmente violou o princípio do juiz natural, para figurar como juízo universal da Lava Jato fluminense, bem como agiu com abusividade e parcialidade no deferimento das buscas e apreensões que, ancoradas em fundamentação genérica e não delimitada, tinham o intuito de pescar provas contra os denunciados e possíveis novos investigados (prática de fishing expedition e quebra de imparcialidade)”, destacou o relator.
“Excessos e violação de direitos”
Rontondano afirmou em seu voto que Bretas se distanciou do dever de imparcialidade e da reserva que se exige de integrantes da magistratura para buscar protagonismo na Lava Jato.
O relator criticou as postagens “entusiasmadas” do juiz nas redes sociais e afirmou que a postura do magistrado escondia violações ao devido processo legal.
“O que não se imaginava era que esse cenário de ascensão vertiginosa encobria muito mais que a busca por popularidade pelo reconhecimento de suas ações”, disse o relator.
Aquele quadro ocultava, na verdade, uma face interna de atuação que era sustentada por excessos, violação de direitos e garantias individuais, desrespeito ao devido processo legal e emprego de força indevida e moderada do estado na seara criminal”, afirmou.
Aposentadoria compulsória
Na conclusão do voto, Rontandon afirmou que as provas obtidas durante a investigação e as razões apresentadas ao longo dos três processos disciplinares são suficientes para concluir que o magistrado manteve condutas “extremamente gravosas”.
“Em verdade, as provas colhidas expuseram a figura de um magistrado que se revestiu da função acusatória e que se valeu da presecução penal - em detrimento de sua posição na moldura processual e do seu estrito dever de julgar - como meio ordinário de atuação, por vaidade, autopromoção e anseio por protagonismo no Sistema de Justiça”, afirmou.
O conselheiro disse que as atitudes de Bretas atingiram a credibilidade do Poder Judiciário e que sua postura mostra que ele é incompatível com o exercício da função de juiz.
“Por atuar em conluio com advogado em práticas relacionadas à exploração de prestígio; conceder tratamento inusual e permitir que esse advogado tivesse acesso a processos e informações sigilosas; praticar atos voltados a interferir nas eleições de 2018, em patente atividade político-partidária; promover irregularidades na condução de processo, em quebra de imparcialidade; e agir com abusividade e parcialidade no deferimento de medida de busca e apreensão, a pena cabível e proporcionalmente adequada às condutas do juiz Marcelo Bretas é a aposentadoria compulsória”, concluiu o relator.